O presente da estrela




Estavam deitados no chão, lado a lado, sob o céu noturno.

A noite fria era incomum, apesar de sempre fazer frio naquela região, que ficava no alto da cidade.
Olhavam o céu, as estrelas, cada um dos dois deixando o pensamento vagar sem rumo.

 - Você mora perto daqui?

 - Sim.

 - Há... Você tem sorte. Eu tive de vir do outro lado da cidade. Mas vale a pena.

 - É... Muito legal, o céu à noite, as nuvens...

 - Sim, gosto muito daqui. E vi que você escolheu o melhor lugar, mais escuro, com a melhor vista     das estrelas.

 - É, mas daqui não dá pra ver a cidade.

 - Mas ainda assim é a melhor vista.

Os dois ficaram em silêncio, por vários minutos, observando os desenhos que as nuvens faziam.

 - Você já pensou em escolher uma pra você? Digo, uma estrela.

Ela sorriu

 - Não, nunca pensei nisso.

 - Pois pode escolher a sua se quiser, temos muitas por aqui. - fez piada-
   Você também pode dar nomes a elas...
   Pode contá-las, conversar com elas, coisas desse tipo.

Ela apenas sorri novamente, e continua contemplando o céu.

Eles não chegaram juntos, na verdade, nem se conhecem.

Ele a tinha visto de longe, caminhando devagar, e depois ela havia se deitado olhando pra cima..
Ele, que estava sentado em um lugar mais alto, tinha se levantado, dando uma pequena pausa
em seu próprio exercício de contemplação da noite.

Olhava curioso, aquela forma feminina estirada no chão. A ponto de achá-la maluca, se,
ele próprio não estivesse fazendo o mesmo minutos antes.
Por algum tempo a ficou observando de longe, depois resolveu ir ver quem era que estava ali deitado.

 - Oi

 - Ai que susto! Oi!

 - Desculpe se te assustei, só fiquei curioso em saber que tipo de pessoa era louca o
   suficiente para se deitar numa praça escura para ficar olhando o céu. - Ele sorria.

Ela estava séria. Num misto de surpresa, medo e confusão.

 - Posso me deitar aqui também? Você pegou o melhor lugar.

Agora ela também sorria, enquanto ele se acomodava do outro lado, próximo de onde ela estava.
Disseram seus nomes, e por um tempo, voltaram ao silêncio da noite.



 - Bom, eu já escolhi a minha, há uns anos atrás. Mas depois a perdi de vista.

- A sua, o que?

- Estrela hora essa.

 - Há... ... E qual é?

 - Ta vendo aquela ali no canto? Perto do cruzeiro do sul?

 - Dá pra ver o cruzeiro do sul daqui?

 - Dá sim. Ta ali ó! – disse apontando a direção. Então, a minha é aquela um pouco pra baixo.

 - Há, sim. Agora estou vendo.

 - Pois é. Tem também aquela outra ali, mais pro lado. Ta vendo? Meio vermelha.

 - Vi

 - Se quisesse ela poderia ser a sua...


Voltaram ao silêncio. Mas agora era um silêncio preenchido em pensamento, pelas estrelas,
com seus nomes e seus possíveis donos.

















 - Sabe, como você ainda não escolheu uma estrela... 
   Eu deixo você ficar com a minha. Ela é minha não é? Então, eu a dou pra você.

 - Obrigada. - disse com um meio sorriso.

 - Então sempre que você voltar aqui pode procurar por ela. Mas não se surpreenda
   se ela sumir. Ela não fica visível o ano todo...

 - Como assim?

 - Eu não conseguia achar ela uma vez. Achei que a tinha perdido.
   (alguém a poderia ter roubado) Mas depois ela apareceu de novo.


Ficaram deitados por mais algum tempo.


Mas, agora a menina se levantava.

 - Preciso ir. Obrigada pela estrela. - disse com um sorriso.

 - Não há de quê. 

E ela se foi, caminhando devagar, assim como havia chegado.
Ele ficou deitado um pouco mais, o pensamento perdido.
Depois também se levantou e partiu.


Eles não se conheciam, nem chegaram a se conhecer.
Mas pra sempre ficou guardada a lembrança daquele estranho(a),
daquela conversa, daquela noite e do presente da estrela.









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